A Marcha da Família, que
hoje faz 50 anos, antecipou golpe. “É um dia triste para memória dos
católicos”, diz estudioso
50 ANOS DA LUTA CONTRA A
AMNÉSIA
Precisamos fazer hoje um
grande exorcismo nacional. Hoje é um dia muito triste para a memória dos
católicos e cristãos paulistanos, pois há cinquenta anos foram todos
manipulados pelo governo e grupos da ultradireita reacionária e herética, por
líderes da TFP.
Em 19 de março de 1964
ocorria a famigerada e tresloucada Marcha da Família com Deus pela Liberdade.
Não queria nenhuma defesa de todas as famílias brasileiras. Só de uma minoria
delas. Trouxe em seu bojo como serpente vinda de um ovo podre uma ditadura que
iria destruir a pequena liberdade que se estava conquistando pela soberania
nacional.
Foram 21 anos de trevas.
Uma série de manifestações públicas organizadas por setores conservadores em
resposta ao comício realizado no Rio de Janeiro em 13 de março de 1964, durante
o qual o presidente João Goulart anunciou seu programa de reformas de base.
Congregou meio milhão de pessoas em repúdio a Goulart e ao regime comunista
vigente em outros países.
Em São Paulo, a 19 de março, no dia de São José, padroeiro da família, a
marcha foi articulada pelo deputado Antônio Sílvio da Cunha Bueno, juntamente
com o padre irlandês Patrick Peyton, nascido no Condado de Mayo, Irlanda, em 9
de janeiro de 1909, fundador do Movimento da Cruzada do Rosário pela Família e
ex-capelão estadunidense. Teve o apoio do governador Ademar de Barros, que se
fez representar no trabalho de convocação por sua mulher, Leonor Mendes de
Barros, e foi organizada pela União Cívica Feminina e pela Campanha da Mulher
pela Democracia, patrocinadas pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, o
IPES (financiado pelos norte-americanos.
A “comissão de frente”
era formada por Leonor de Barros, Conceição da Costa Neves e Dulce Salles,
entre outras. Houve alguns padres avulsos, e muitas, mas muitas mesmo, mulheres
simples com os seus terços na mão, rezando e tentando espantar o medo do
comunismo.
Destaque para as falas
do deputado federal Plínio Salgado, fundador da Ação Integralista Brasileira,
partido de extrema-direita, e do sacerdote Monsenhor Calazans, contra o
presidente. Salgado e outros oradores incitaram ao golpe.
Aconteceria depois outra
marcha, no Rio de Janeiro, com um milhão de pessoas, no dia 2 de abril, quando
o golpe já estava consolidado, para comemorar a vitória dos golpistas. Ambas
tiveram o apoio do cardeal Jaime de Barros Câmara, da Arquidiocese do Rio de
Janeiro.
Em São Paulo, naquele
momento, o arcebispo era o cardeal Carlos Vasconcelos Motta, que permaneceu no
cargo até sua transferência em 18 de abril de 1964, aos 73 anos, para ser o
primeiro arcebispo de Aparecida.
A Igreja Católica no
Brasil, salvo exceções, apoiou explicitamente o golpe antidemocrático, com
suporte religioso e ideológico. A conversão viria anos depois pela profecia de
dom Helder Câmara, dom Pedro Casaldáliga e, na década de 70, pela vigorosa
postura de dom Paulo Evaristo Arns.
Em depoimento, dom
Benedito de Ulhoa Vieira, hoje emérito de Uberaba, afirmou que não foi um
movimento apoiado pela Igreja de São Paulo. Disse: “A marcha de um milhão de
pessoas, naquele tempo, era uma coisa respeitável. Foi promovida por movimentos
católicos, mas não partiu do governo do bispado, que era o cardeal Motta. Ele
não faria isso. O cardeal sempre teve uma posição assim, muito reservada, a
respeito da revolução um pouco antes. Eu acho que isso é histórico, e eu sou
testemunha, eu morava com ele, um pouco antes quando se falava em revolução e
tal, falaram a ele. Disse uma frase que é antológica: Deus, eu cito
textualmente, Deus nos livre das revoluções. Sabemos como elas começam, mas
nunca sabemos como acabam. Essa frase é do cardeal Motta, que sempre teve uma
posição muito reservada da revolução de 64. Nunca fez propaganda contra, mas,
na intimidade, tinha uma reserva muito grande dessa derrubada do Poder Constitucional
(…) Nenhum padre do clero de São Paulo tinha ido a essa marcha, sem ele proibir
coisa nenhuma. O próprio Calazans que ali foi e esteve, e não negava isso, não
era do clero de São Paulo, mas do Clero de Taubaté, e só depois passou para o
clero de São Paulo, aliás, uma aquisição muito rica (…) Ter o Calazans como
membro do clero de São Paulo, um homem de grande valor intelectual e moral”.
Por Fernando Altemeyer Junior